Dez da manhã numa esplanada da avenida de roma. Uma menina tenta-me vender o Borda D'Água e eu digo que não. Ela pergunta se eu lhe compro alguma coisa para comer. Eu convido-a a sentar e pergunto o que ela quer.
'Uma sandes de presunto'.
Dentro do meu cérebro eu vejo uma outra clô, indignada, de mãos à cintura, a dizer 'sandes de presunto, caraças??? sandes de presunto? A míuda é maluca, eu nunca pediria uma sandes de presunto para mim mesma, quando mais para esta garota!'. Sinto-me instantâneamente mal pela reacção da clô que mora dentro do cérebro, uma mesquinha, uma cabra egoísta. Mas mesmo assim, quase sem poder controlar, oiço a minha voz dizer, cobardemente:
'Então vamos pedir uma sandes de fiambre. Queres com manteiga?'.
A menina diz que sim. Pergunto-lhe pela escola que ela obviamente não frequenta, pelos pais que obviamente não pensaram duas vezes antes de a ter, pela casa que fica a milhas da avenida de roma. Paternal da merda, diz a clô que está dentro do cérebro à clô que está sentada a beber o café de frente para a menina (que fala português perfeito mas tem sotaque - romena?).
A clô que está à conversa com a menina diz à clô que mora dentro do cérebro sua cabra egoísta, que gastas 20 euros num impulso a comprar quatro vodkas tónicos para uma amiga só pelo efeito cómico de lhe pôres quatro bebidas à frente da cara, mas és incapaz de gastar 2 ou 3 euros numa sandes de presunto para esta menina. E era provavelmente uma das poucas oportunidades da míuda comer uma sandes de presunto. Sua europeia burguesa, com um jorro de qualificações académicas mas o comportamento de uma jumenta, sua sociológa hipócrita, que passas aulas inteiras a falar das teorias da economia política mas tens a lata de recusar uma sandes de presunto à míuda. Já não há verdades.