Ser turista no próprio país é lixado. Ingrato mesmo. Não é simplesmente chegar e afogar-se no mar de afectos familiares, nas risadas dos amigos, na gordura prazenteira das sardinhas. Um gajo vem carregado de lentes bifocais, daquelas que se alojam no cérebro depois de passar anos a viver com a alma entre duas nações, e a partir daí desenvolve uma esquizofrenia irrecuperável. O calor deixa de ser simplesmente calor, e passa a ser um calor insuportável. Os mendigos de rua deixam de se fundir indistintamente com a paisagem, e passam a saltar-nos à vista, como se tivéssemos daqueles óculos 3D dos cinemas IMAX. As construções inacabadas, imperfeitas, rodeadas de lixo, não são invisíveis, não são very typical, um resto de subúrbio que se apresenta antes de chegar à cidade real, ao chiado, mas sim a cidade em si mesma, a cidade real. É lixado ser turista no próprio país.
Vai-se para Minas de São Domingos, ao encontro do Portugal profundo, tão profundo quanto está vizinho do Pulo do Lobo, e leva-se com uma carga simbólica daquilo que se deixou para trás, no país do trabalho. Uma colónia inglesa, ali esparramada, esventrada no meio do Alentejo, encostada à Espanha, com campos de ténis degradados, uma residência inglesa transformada em hotel de luxo e um cemitério separatista com meia dúzia de bifes do século passado enterrados em solo que foi trazido de barco da grã-bretanha.
Vai-se para o Algarve, a fugir a sete pés do The Algarve, a correr para Sagres, para o paraíso que é o Martinhal, um motelzinho simpático onde tinha ficado há dez anos e zás trás pás, lá estão eles. O motelzinho foi comprado por ingleses, que vão construir o aldeamento mais zen do Algarve, tão zen que fica em paisagem protegida. Um conceito de morrer de baba, o conceito do luxo de pé-descalço, barefoot luxury, assim diz a brochura de promoção. Ficamos, olhamos para as maquetes, ponderamos sobre o time-share que poderia ser nosso por meio milhão de euros.
Levem-me, levem-me para o caos urbanístico da ilha de Faro, onde estrangeiro não entra, levem-me lá para casa da minha prima, à beira da ria, cuja serventia é ocupada todos os dias em Agosto por tugas que lhe arrombam os portões para estacionar os carros na propriedade que é dela e de mais ninguém, legal, de matriz inscrita na conservatória. Ou levem-me já para o aeroporto, para o meu vôo cheio de escoceses, escarlates de uma golfing holiday in The Algarve, onde todos respeitam o perímetro invisível que cada um de nós humanos temos, à nossa volta, mas onde a comida é uma merda.
Não há partir e voltar, ir e ficar, o que existe sempre é um duelo dual entre o cá e o lá. Ser turista no próprio país é lixado.