Em sítios como Lisboa, só se pode referenciar alguém com pelo menos três nomes e um “e”, do género a Catarina Vaz e Sousa (um nome estrangeiro - mas não de leste nem africano -, tipo Burnay, soma logo três pontos de bónus). As pessoas não são da Lapa, mas vivem na Lapa. É impossível traçar as referências históricas familiares e geográficas desta malta, que vive embrulhada na fantasia das aspirações sociais. Não nasceram verdadeiramente na Lapa, mas compraram casa lá assim que casaram com o filho da Tia Pótó; tão pouco os pais tinham “e” no nome, mas enfiaram-no na filha para que ela pudesse entrar no veraneante círculo de amigos de Montechoro mais facilmente.
Na aldeia, estas invenções não levam ninguém a lado nenhum, e por isso são imediatamente postas de parte. As pessoas conhecem-se por um só nome. Ou se é Tó (primeiro nome) ou se é Garipas (apelido). Quando muito acrescenta-se um Ti antes do nome, mas nunca uma paneleirice de três nomes, quanto mais com “e” no meio. Não há estrangeirismos para ninguém, é tudo Tuga de gema. Para além do mais, é-se de facto de um lugar, e não existe essa ambição desmedida das pessoas quererem desenraizarem-se mudando 1km para fora da aldeia dos pais.
Uma conversa em casa dos meus avós seguia este formato das referências rurais à letra:
Avó: Então já sabes o que aconteceu à filha do Garipas?
Avô: O Garipas das ferragens?
Avó: Não homem, o Garipas da Jardoeira!
Eu: Quem é o Garipas da Jardoeira?
Avô: Aquele que se casou com a filha da Ti J’aquina do Juncal!
Eu: Não estou a ver…
Avô: Então não sabes? Aquele rapaz que é primo do Brogueira!
Eu: Brogueira, Brogueira…
Avô: O Brogueira da taberna! Então não estás a ver…
Eu: Mmmm…
Avô: Ó Cláudia, o Brogueira, que até há uns tempos construiu ali uma grande casa no Reguengo do Fetal, para a filha dele, a Céu, que casou com o filho do Ti J’aquim das Brancas.
Avó: Tu sabes, Cláudia. Então não te lembras daquele rapaz que até andou na escola contigo, filho do polícia? A família dele tinha uma fazenda no Arrabalde.
Avô: Realmente, eu nem o que vocês andam a fazer na vida. Não sabem nada…
Ora quem não conhece as suas gentes e a sua terra, não está preparado para conhecer o mundo. Por isso é que eu ando assim perdida. Lisboa então está por um fio, desnorteada num mundo sem referências.