Caro blogue: percebo que andam por aí uns
debates animados sobre o estado da língua portuguesa. Parece que até os mais insuspeitos (como a
Maria Filomena Mónica) dão erros ortográficos. Uff! Estou tão agradecida à Maria Filomena! Finalmente, traz-se a público este monstro da gralha que nos persegue desde a primária, quando o pior dos escárnios era ter que enfrentar as outras míudas no recreio depois da entrega do ditado. "Então, quantos erros deste?". Vacas.
Eu, que nunca dei erros na vida, pude finalmente libertar-me da ditadura ortográfica depois de saír do país. Tudo começou inocentemente. Primeiro comecei a não ter a certeza sobre o lugar certo do z e do s (como em certesa e caza). Forçaram-me a arranjar trabalho por aqui, onde tenho que escrever uns papers e falar umas reuniões em inglês. Eu até disse na altura: "eh pá, não posso, qualquer dia nem sei onde pôr as cedilhas..." (já estou ansiosa, aquele chapelinho faz sentido ali no pôr?).
O McGregor explicou-me que tinha todo o respeito pelo edifício das linguas (sem acento no i?) românicas, mas que realmente a conta do telefone começava a pesar-lhe no bolso e que era preciso eu fazer-me à vida e ajudar nas despesas. Lá fui a contragosto (esta palavra é toda pegada?). Depois ofereceram-me um sofisticado corrector ortográfico de português, que é o mesmo que chegar ao pé da vizinha Maria Buço e presenteá-la discretamente com uma máquina de cera. E as tecnologias de comunicação e informação não tornam as coisas nada fáceis, ao contrário do que o Bill Gates nos tenta vender. No MSN escrevo houvir e levo raspanetes instantâneos da Edite (o nosso nick para a linguista fundamentalista do grupo). A minha mãe manda-me mensagens de telemóvel para me dizer que escrevi mal a palavra escaganifobetico. Apre, que um gajo não se livra do aparato vigilante da ortografia. Houvesse um sistema voluntário tão eficiente para a vigilância das florestas e Portugal andaria agora a debater o excesso de árvores no país...
Por isso, Maria Filomena, dou-te um conselho: deixa-te lá dessas fantasias de passar o verão em Oxford a aplicar as ferramentas do Oxford Dictionary of English. Essa obra só traz problemas, cria confusões na sintaxe do bom cidadão português. Não leias a Times Literary Review, nem os papers da Annual Sociology Review. Não é tudo mau, se fossemos Vietnamitas tinhamos que levar com o sistema aburdo inventado pelos jesuítas portugueses, que queriam à força aplicar o alfabeto latim áquela (este acento está na direcção certa?) rapaziada que tão contente andava com o código chinês.
ESTE BLOGUE TEM ERROS. Às vezes isso entristece-me, outras vezes não sinto nada. Eu já tenho que me preocupar com os três trabalhos que tenho em curso, com as minhas obrigações para com o Estado, com lembrar-me dos aniversários dos amigos, com a lista mental das compras do supermercado. Inglês e Português, começou tudo a fundir-se numa sopinha de letras. And I don't want to stress about that too...
p.s. - E quanto à Maria Filomena Mónica, o que andam a fazer os editores/proof-readers do Público?